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segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Bossa indica: Moda & Inconsciente: olhar de uma psicanalista

 


  Nesta obra, publicada pela Senac Editora, a autora desvenda os meandros da história da moda sob o ponto de vista psicanalítico, através de uma linguagem simples e acessível. Pascale não discorre sobre o tema por meio de um discurso técnico e restrito, mas sim mesclando o vocabulário próprio desta esfera do conhecimento com curiosos e engraçados episódios que exemplificam perfeitamente os conceitos expostos.
Pascale parte de uma história pessoal com os padrões sociais da moda, quando ela ingressa em uma loja para comprar um cinto e não sai impune de lá; o antigo jeans que ela trajava é substituído por um completamente novo e de acordo com os paradigmas mais recentes do universo ‘fashion’. A partir daí, inúmeras sugestões invadem seu figurino tradicional e a levam a buscar outras peças que combinem com o novo visual.

  É com base nesta experiência que a psicanalista passa a refletir sobre o mundo da moda com os instrumentos de que dispõe, o olhar de Freud, Lacan e outros discípulos do criador da Psicanálise. Seguindo o fio que a inspirou inicialmente, ou seja, o intrigante evento da construção de sua imagem pessoal, ela se vale, em suas indagações teóricas, de pequenas histórias, casos e depoimentos postados em blogs.

  Assim, a obra é entretecida por elementos fundamentais da psicanálise, que contribuem amplamente para a compreensão da necessidade que o ser humano demonstra de ser percebido, reconhecido e aprovado pelo outro. Para tanto, a autora recorre a questões como o Narcisismo, a construção da identidade através do olhar, o prazer de ver e de ser visto, diretamente ligado ao universo da moda, o fetichismo, a alienação, as pulsões, a compulsão da imitação, entre outros tantos temas mobilizados por Pascale para uma profunda imersão nesta esfera da vida, cada vez mais presente no cotidiano de cada ser.

  O primeiro passo da autora é demonstrar que de superficial e fútil a moda nada tem, pois ela está intimamente vinculada aos mecanismos do inconsciente humano, os quais estão atuantes desde o momento do nascimento, principalmente na primeira etapa da infância, quando o bebê é a estrela de seu show diante do fascínio dos pais, familiares e amigos. É neste momento que a psicanalista situa a predominância da linguagem visual sobre qualquer outra expressão do pensamento na interação com o outro, e dessa importância fundamental do olhar nasce o prazer de se exibir diante dos demais.

  A partir de então a busca do ser humano pela atenção alheia é incessante; assim, a moda se torna um instrumento de constante renovação, uma possibilidade de se fazer a diferença e, assim, encontrar em meio à uniformidade o desejado destaque pessoal. Paradoxalmente, muitos vêem neste universo a imposição de determinados estilos, e não raro é possível testemunhar o fenômeno da clonagem, principalmente ao se caminhar nos templos da moda, os shopping centers, quando várias mulheres parecem ter saído das vitrines das lojas, ostentando em seus corpos os instrumentos do desejo, símbolos de poder e status. Na verdade, ao perseguir a rivalidade e a distinção, muitas vezes se deparam com uma certa padronização.

  É fundamental também o debate que se estabelece, nesta obra, sobre a constituição da imagem feminina, que se baseia cada vez mais no modelo ideal de mulher veiculado pela mídia e pelo universo ‘fashion’. Este fenômeno abala não só a identidade e a auto-estima de inúmeras jovens e adolescentes, que cometem as maiores loucuras para conquistar o ilusório padrão dos sonhos, mas também das próprias profissionais que desfilam nas passarelas ou desafiam as lentes fotográficas, submetidas a tecnologias cada dia mais requintadas, capazes de gerar ícones inexistentes.

  Assim, casos de anorexia, bulimia e outros distúrbios psíquicos ligados à construção imagética acompanham a evolução da moda; cresce a demanda por processos de intervenção cirúrgica que têm como alvo a transformação de partes do corpo ou dele como um todo, o que resulta também na morte frequente de mulheres em clínicas não habilitadas para estes procedimentos e na construção de um corpo cada vez mais artificial.

Várias questões pertinentes e urgentes são discutidas neste livro, desde a crescente indistinção entre homens e mulheres nas criações mais recentes da moda; o precoce envolvimento das crianças neste universo; a busca da eterna juventude na escolha do vestuário; os que se deixam escravizar pelos circuitos da esfera ‘fashion’; até a vulgarização do erotismo, o papel da marca na construção e desconstrução da identidade, entre outros inúmeros fatores que devem ser compreendidos para que a moda seja um fator positivo nos mecanismos da psique humana, e não um elemento patológico.

Médica, especializada em psiquiatria e psicanalista francesa, Pascale Navarri é integrante titular da Sociedade Psicanalítica de Paris.

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